Rua Mar

Talvez fechar os olhos para enganar a si mesma diante da cena fosse a atitude mais plausível, mas como poderia? O cheiro ainda a envolveria, os sons dos ossos se quebrando diante da força do homem mais parecia vidro estilhaçado. Tão absorta pela destruição, sequer notara a aproximação alheia, tamanha vulnerabilidade. Não se assustara, entretanto, pelo toque do homem, ofertando-lhe um mero olhar de soslaio antes de voltar-se a mulher que chorava. ──── Tu não vês? Ela não pode se mexer. Quem poderia diante de um animal como ele. ──── Um riso fraco surgira entre as palavras sem emoções, os punhos semicerrados enquanto soltava o ar que nem mesmo ser lembrava de segurar.

──── Esta batalha perdera o sentido, não há motivos para que eu lute. ──── O tom atônito era evidente pelo tremular da fala enquanto erguia-se com os joelhos avermelhados. Finalmente o olhar rubro pousara sobre o homem por breves segundos antes de fitar seu apartamento tão próximo dali. ──── Consegue se mover com ajuda? Voltarei para casa. Podes vir comigo se, assim como eu, cansaste da atrocidade. ──── Certamente não era sensato dar as costas em um campo de batalha, mas tamanho senso a abandonara no momento em que se quebrara com a natureza de seu servo.

Confiança? Aquela pergunta a fizera semicerrar as sobrancelhas. Ele deveria estar louco por cogitar algo assim diante das discussões que presenciara momentos antes e as reações de Hieke a respeito das atitudes animalescas de seu servo. A voz então, tornara-se ácida, embora em nenhum instante seu tom se elevara. ──── Confiar? Não vês que se trata de um espírito irascível? ──── A raiva era sentida nas palavras, claramente descontente com a cobiça desenfreada que cegara seu servo.  

O comentário a fizera entreabrir os lábios para contestar, seu tamanho não significava nada, mas logo desistira da argumentação para atentar-se ao fato da mulher concentrar seu poder. ──── O que... ──── Ela os explodiria? Hieke e Fudo estavam afastados o suficiente para escaparem em segurança, mas Qayin ainda permanecia sobre a escrava a destroça-la. O corpo paralisara, não pensava mais em fugir. Por mais que ele confundisse seus sentidos, arrancasse a benevolência que ainda residia em seu peito, poderia abandoná-lo daquele modo? As palavras do homem de íris heterocromáticas não mais a atingiam, eram sussurros distantes, apenas uma brisa leve que passara por si. Seu foco resumia-se exclusivamente àquele atado a si pelo último desejo egoísta de Kaleb.

──── Qayin!

O grito escapara de sua garganta quando tentara ir para frente, indiferente ao ruivo debilitado ao seu lado, ou ao menos, que julgara erroneamente não deter mais forças. Abandonara o chão ao ser jogada sobre os ombros do outro, o corpo se debatera, os braços esticados como se quisesse alcançá-lo, mas ela sabia que não poderia ficar ali. De nada adiantaria a Guerra se sucumbisse em seu primeiro desafio. ──── Please, don't die. ──── A língua materna se fizera presente ao observar seu servo uma última vez, assim como a inimiga em sua última tentativa de destruição.